Decidi interromper a programação normal desse blog já muito famoso, badalado e criador de tendências para fazer uma incursão filosófica ao âmago da existência humana, partindo de premissas metodológicas específicas do neo-racionalismo pentecostal pós-kantiano transmoderno. É uma corrente filosófica muito séria, apesar de não existir.
O tema é livre, e a ideia é apenas ver até onde a cabeça vai nos levar. E como ponto de partida escolhi essa mania de alternar entre primeira pessoa do plural e do singular, o que poderia representar um caso sério de esquizofrenia ou um ainda mais grave caso de falta de concordância.
Já adianto que falta de concordância é, mas o pecado é doloso. Cada palavra que vai saindo da minha cabeça é (ou deveria ser) um pedaço de mim que ganha vida própria; e, a partir do instante em que a palavra cai no papel, o monólogo que antes era meu vira diálogo entre o eu que sou e todos os outros eus que povoam esses parágrafos. A palavra escrita já não é minha, o sentimento escrito já não é meu, eu já não sou eu. Escrever é terapia, é auto-análise, é auto-crítica. É reforçar ego, alimentar Narciso, exercitar arrogância. É exposição, é confissão, é máscara. Escrever mostra quem eu sou, quem quero ser e quem eu nunca serei. É um passeio, e tão-só isso.
(É só questão de estilo, talvez, e uma das grandes conquistas da Internet sem dúvida é a plena democratização da literatura ativa: todo mundo com um computador e um discador POP vira escritor, e cada escritor faz viver um jeito bem pessoal de escrever. E juro que não tem ironia nenhuma aqui, porque talvez é das coisas mais bonitas desse mundo saber que a hiper-exposição dos nossos dias traz, também, uma avalanche de sentimentos, impressões, opiniões e aspirações que dá ao mundo um colorido que caminha pro infinito)
O que me faz lembrar da correção de uma redação minha na oitava série, lá nos idos da década passada. Não lembro o tema, nem a nota; lembro só que meu professor foi muito enfático em apontar para a falta de coesão do meu texto. Sofri aquele auto-bullying e experimentei o sentimento revolucionário que só um adolescente com intenção de intelectual sabe ter (“como ele ousou…!”), mas não esmoreci. O gosto de fracasso me inspirou, e o esforço demonstrou seu resultado nas outras correções: uma atrás da outra, minhas redações vinham com o mesmo comentário sobre a falta de coesão. Shit. Ok, e agora?
Até hoje isso é uma grande dor de cabeça na hora de redigir um trabalho acadêmico, mas capitulei e decidi assumir essa falha de caráter como marca pessoal. “Pra quê coesão?” foi como começou, e acabou levando a um exagero de “ligo pouco pra coerência, também”. A partir daí, foi um adeus pro que de regra de concordância e coerência e todo o resto que aprendemos, e cá estamos.
E o que isso tem a ver com qualquer coisa? Bom, como dito no início, esse post é apenas uma digressão epistemológica com fundamento da ciência política racional-positivista típica do iluminismo pré-colonial, o que significa que a intenção é quase que uma justificativa sobre mim mesmo. Chego a achar que as frases aparentemente desconexas (na verdade, bastante desconexas) guardam entre si uma espécie de coesão externa: cada frase, cada linha, cada parágrafo, é um trecho de mim, e daqui uns anos quando (se) alguém ler tudo o que eu escrevi, vai reconstruir como um fac-símile desses tempos da minha vida.
Mas não é só isso. É, também, uma tentativa de organizar minhas ideias enquanto me explico para mim e para nós. É uma tentativa de explicar que cada palavra e cada vírgula e cada ponto-e-vírgula são colocados com o cuidado que só um coração que ignora a cabeça sabe fazer. É uma tentativa de justificar o que parece errado porque tem amor (amor, pois é, era sobre o que eu queria falar…).
Acho que, no final, é também uma tentativa de manifesto do eu mesmo. Uma nova modernidade! Um novo gênero literário exclusivo e revolucionário! Um novo ego que não tem bom senso que controle!
É, é isso. Um manifesto. Panfletário. Que me convoca pra sonhar mais livre, pra gravar o sonho no papel, e pra convidar quem mais quiser sonhar comigo.
Em seguida, retornaremos à nossa programação diária.
Sua pausa para o café foi…reveladora. As vezes acho que sou a única que passou e passa por esses pensamentos. Claro que sei que não sou, mas você passou, de forma coesa para mim, como me sinto a maior parte do tempo. Adorei! 😀
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Sabe, passo grande parte do meu tempo lendo blogues pessoais na rede. Encontro todo tipo de texto, mas principalmente os textos reflexivos, pessoais. Nada contra. O problema para mim, na qualidade de leitor profissional, começa quando não consigo seguir adiante na leitura, o que é um sinal, acho, de que não era lá grande coisa o escrito. Não senti isso no teu texto, pude caminhar até o fim sem problemas. Não sei a razão. Talvez por aparentar que você mesmo não se leve a sério, o que pode ser uma coisa boa. Não sei. Mas gostei. Um abraço.
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Obrigado mesmo (não só por esse comentário, mas por todos os outros)!
E é verdade, a ideia é toda não me levar a sério… é um remédio pra contrabalançar a gravidade com que a vida insiste em nos tratar.
Um grande abraço!
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